A guerra entre o PCC e o Comando Vermelho (CV) fez com que o número de homicídios nos estados do Norte e Nordeste disparassem em 2017, tornando as duas regiões as mais violentas do Brasil, segundo o Atlas da Violência de 2019, divulgado nesta quarta-feira (5). O aumento da violência no Norte e Nordeste contribuiu para piorar a média de homicídios no país, mesmo com uma queda nos assassinatos em 15 das 27 unidades da federação. A pesquisa mostra que houve 65,6 mil homicídios no Brasil em 2017 – o equivalente a 31,6 mortes a cada 100 mil habitantes. Trata-se do maior índice de homicídios desde 2007.
INFOGRÁFICO: Veja a taxa de homicídios por estado
Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados oficiais do Sistema de Informações Sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde.
15 estados tiveram redução na taxa de homicídios
Enquanto vários estados apresentaram queda no número de assassinatos em relação a 2016, as unidades da federação do Norte e Nordeste apresentaram um crescimento acentuado na taxa de homicídios.
Em comparação com as taxas observadas em 2016, 15 estados brasileiros apresentaram uma redução em 2017, cinco estados sofreram um aumento inferior a 10% e sete estados apresentaram aumento acima de 10% nas taxas de homicídios.
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Apesar de a taxa nacional de assassinatos ter aumentado 4,2% em 2017, em relação ao ano anterior, os pesquisadores apontam para a tendência de queda nesse índice em boa parte dos estados brasileiros.
“Dois fenômenos estão em curso no país. Ao mesmo tempo em que paulatinamente cada vez mais estados federativos estão assistindo à redução na taxa de letalidade violenta, por outro lado, vários estados das regiões Norte e Nordeste têm se confrontado com forte crescimento nos índices de homicídio”, afirmam os pesquisadores.
Estados mais violentos
Segundo o Atlas da Violência, o Ceará foi o estado com maior crescimento na taxa de homicídios em 2017, ano em que se atingiu recorde histórico neste índice. A taxa de assassinatos passou de 40,6, em 2016, para 60,2 por 100 mil habitantes em 2017 – um aumento de 48,2%. Em seguida, aparece o Acre, com um aumento de 39,9%. Em Pernambuco, houve um aumento de 21% nos homicídios em 2017.
O Rio Grande do Norte foi o estado brasileiro com a maior taxa de homicídio por 100 mil habitantes em 2017, com um índice de 62,8 mortes a cada 100 mil habitantes. Em segundo lugar, aparece o Acre (62,2), seguido por Ceará (60,2), Sergipe (57,4) e Pernambuco (57,2).
Guerra de facções está por trás do aumento de homicídios
Os pesquisadores atribuem o aumento nas taxas de homicídio no Norte e Nordeste à guerra de facções criminosas deflagrada entre junho e julho de 2016 entre os maiores grupos narcotraficantes do país: o PCC e o CV, e suas facções aliadas regionais, como Família do Norte, no Amazonas; Guardiões do Estado, no Ceará; Okaida, em Pernambuco e na Paraíba; Estados Unidos, na Paraíba; e Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte.
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Dois fatores ajudam a explicar os conflitos, segundo o Atlas da Violência. O primeiro foi a diminuição da produção de cocaína na Colômbia e o aumento da participação da produção peruana e boliviana. Isso fez com que o Brasil assumisse uma posição estratégica na exportação de drogas para a África e Europa. No Brasil, a droga produzida no Peru e na Bolívia são transportadas a partir do Acre, pelo Rio Solimões, passando por outros estados do Norte e chegando ao Nordeste, principalmente Ceará e Rio Grande do Norte.
Isso ajuda a explicar o crescimento da violência letal no Acre, por exemplo. O Ministério Público do estado mapeou mais de 10 rotas, a maioria delas perto da fronteira com o Peru, onde a droga é transportada por via fluvial e depois terrestre (pela BR-364), até chegar ao Rio Branco, onde nos bairros da periferia se travam as batalhas com maior número de vítimas pelo comando do tráfico na região.
O segundo fator apontado para o crescimento dos assassinatos, segundo o Atlas, é o processo de expansão iniciado pelas facções do Sudeste – principalmente o PCC – pelo domínio de novos mercados de drogas no varejo, além da busca por novas rotas para o transporte do tráfico.
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O conflito entre as facções começou a ficar mais acentuado em 2016, segundo o Atlas da Violência, com o assassinato do traficante Jorge Rafaat pelo PCC, na fronteira do Mato Grosso do Sul. O pano de fundo do assassinato era o controle criminal na fronteira, que é rota do tráfico de drogas. “Finalmente, no início de 2017, a guerra entre as maiores facções penais brasileiras eclodiu de forma generalizada, primeiro dentro dos presídios e depois nas ruas”, aponta o Atlas.
Em 1.º de janeiro de 2017, uma rebelião no Complexo Prisional Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), deixou 56 mortos em um confronto entre integrantes do PCC e da Família do Norte (FDN) – aliada ao CV. Duas semanas depois, outros 26 presos morreram na Prisão Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, em um confronto entre o PCC e o Sindicato do Crime – aliado do CV. Os conflitos também respingaram em cadeias de Roraima, Paraíba, Alagoas, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
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Os dados de homicídios no Brasil mostram que há uma década o Amazonas apresentava uma taxa de homicídios menor do que a média nacional. Enquanto a média no Brasil era de 25,5 assassinatos a cada 100 mil habitantes em 2007, no Amazonas esse índice era de 21,1. De lá para cá, o índice de violência letal praticamente dobrou no estado, fechando 2017 com uma taxa de 41,2 homicídios a cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 31,6.
No Rio Grande do Norte, o Atlas da Violência aponta que 2017 foi um ano particularmente difícil no campo da segurança pública no estado. Além do episódio em Alcaçuz, no final do ano houve o aquartelamento da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar, que durou 14 dias e que ocorreu como forma de protesto aos atrasos de salários e à falta de condições de trabalho, com indisponibilidade de viaturas e de equipamento de proteção.
Paz entre facções diminui taxas de violência em 2018
Os dados divulgados no Atlas da Violência são relativos a 2017. O estudo ressalta que há indícios que apontam para uma queda no número de homicídios em 2018 e início de 2019. Como a queda ocorreu justamente nos estados onde a guerra entre as facções foi mais intensa em 2016 e 2017, os pesquisadores não descartam a possibilidade de a queda das mortes estar “intrinsecamente ligada” a um processo de acomodação da rivalidade entre as facções, “uma vez que economicamente é inviável manter uma guerra de maior intensidade durante anos a fio”.
“Todavia, esse virtual processo de acomodação na guerra entre as maiores facções se insere em um equilíbrio instável, podendo a qualquer momento ser revertido, como nos mostra o mais recente morticínio nas cadeias em Manaus”, alertam os pesquisadores.
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Em maio, mais de 50 presos foram mortos em cadeias do Amazonas, em mais um episódio de conflito entre presos faccionados. Desta vez, as autoridades apontam como a causa do massacre um racha interno na FDN – facção regional predominante no estado. “No entanto, o episódio serve para mostrar quão tenso está o ambiente nos cárceres, um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento, sem que o Estado tenha controle da situação”, afirmam os pesquisadores do Atlas da Violência.
Quais estados registraram queda nos homicídios
Segundo o Atlas da Violência, 15 estados brasileiros apresentaram uma redução no índice de homicídios em 2017, em comparação com o ano anterior. As maiores quedas foram registradas em Rondônia (-22%), Distrito Federal (-21,4%) e Sergipe (-11,3%).
Os estados com menor taxa de assassinatos a cada 100 mil habitantes em 2017 foram São Paulo (10,3), Santa Catarina (15,2), Piauí (19,4), Distrito Federal (20,1) e Minas Gerais (20,4).
O Atlas da Violência traz ainda dois fatores principais como explicação para a queda no índice de mortes violentas em boa parte dos estados. O primeiro é Estatuto do Desarmamento, de 2003. Segundo os dados do Atlas da Violência, no começo dos anos 1980, para cada 100 pessoas assassinadas, cerca de 40 eram vítimas de armas de fogo. A partir de 2003 (ano em que foi sancionado o Estatuto do Desarmamento) esse índice estacionou em 71%.
“Portanto, nessas décadas, saímos de um percentual de homicídio por arma de fogo equivalente ao de países vizinhos, como o Chile e à média dos países da América do Sul e chegamos a índices parecidos com o de países como Honduras e Jamaica”, dizem os pesquisadores.
O segundo fator, segundo o Atlas da Violência, é o envelhecimento da população. “A esse respeito existem várias evidências internacionais que apontam para o papel da demografia e da maior participação de jovens na estrutura demográfica na dinâmica da taxa de crimes violentos e, em particular, de homicídios”, afirmam os pesquisadores.
Há, ainda, explicações pontuais que passam por particularidades de cada estado. Em Rondônia, por exemplo, as mortes violentas estão historicamente associadas a conflitos agrários. Um elemento que pode ter contribuído para a redução de casos em 2017, segundo o Atlas da Violência, diz respeito às inovações no trabalho de inteligência, com o apoio da Polícia Federal, para a identificação de líderes com envolvimento potencial nos conflitos agrários. Outro ponto que chama a atenção, segundo informações da Polícia Civil do estado, é a alta taxa de elucidação de homicídios, sendo que, em 2017, 60% dos casos foram elucidados
A melhoria das investigações realizadas pela Polícia Civil e a intensificação da política de apreensão de armas da Polícia Militar ajudam a explicar a queda de homicídios no Distrito Federal, segundo os pesquisadores. O Atlas da Violência destaca, que a partir de 2015, o foco policial das ações passou a se concentrar nas áreas mais violentas, visando inibir as ações das gangues no estado.
Já em Sergipe, o Atlas da Violência mostra que a redução pode ser explicada devido ao patamar de mortes atipicamente alto em 2016.. Uma explicação alternativa passa pelo amadurecimento da reorganização do trabalho policial levada a cabo desde 2015, quando se passou a promover maior articulação das agências policiais e uso de indicadores estatísticos e análise criminal para a construção de diagnósticos locais sobre a dinâmica da violência.
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